Lição
O natal me cheira a formol
A cada dia vinte e quatro do doze lá pelas oito da noite
Lembro-me do laboratório de neuroanatomia da faculdade
Onde sempre tive dores de cabeça
Entre potes e potes de vidro transparente
A maldita substância mantinha a aparência viva no que já estava morto
Em destaque recria-se o nascimento de um deus morto
Brinda-se relações mortas, cumpre-se tradições mortas
Presenteia-se com propósitos mortos
Se na pensãozinha burguesa de Bandeira
É o gato a única criatura fina
No natal são as crianças
Que sujam suas roupas, dão vivas pelos presentes e quebram a louça
Pouco se importam com os gestos dos adultos
Que recebem como família os parentes que odeiam
Cozinham o tender que não gostam
Gastam o dinheiro que não tem
Cantam parabéns para o deus em quem não acreditam
Não deixam que se vá, que desapareça e se desfaça
Que volte ao pó original
A vida que já não tem
Não aprenderam com o crucificado que é preciso morrer para renascer
30/12/15