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A cortesia dos cegos


O poeta lê seus versos para os cegos. Não imaginava que fosse tão difícil. Treme-lhe a voz. Tremem-lhe as mãos.

Sente que cada frase é posta aqui à prova da escuridão. Vai precisar se virar sozinha sem luzes e cores.

Uma aventura perigosa para as estrelas da em seus versos, a aurora, o arco-íris, as nuvens, os neons, a lua, para os peixes até aqui tão prateados sob a água e o falcão tão alto e silencioso no céu.

Lê - porque já é tarde demais para não ler - sobre o rapaz de casaco amarelo num prado verde, sobre os telhados vermelhos, que se podem contar, no vale, sobre os números agitados nas camisas dos jogadores e sobre a desconhecida nua na porta entreaberta.

Queria se calar - embora seja impossível - sobre todos aqueles santos no teto da catedral, aquele gesto de despedida na janela do trem, a lente do microscópio e o raio de luz no anel e a tela e o espelho e o álbum de retratos.

Mas é grande a cortesia dos cegos, grandes sua compreensão e magnanimidade.

Ouvem, sorriem e aplaudem.

Um deles até se aproxima com um livro aberto de cabeça para baixo pedindo o autógrafo que não verá.

2006

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